sexta-feira, 2 de novembro de 2007

domingo, 21 de outubro de 2007

doclisboa 2007: "In the House of Angels"

Decorre de 18 a 28 de Outubro o 5º Festival Internacional de Cinema Documental de Lisboa: o doclisboa 2007.
Hoje, no Cinema Londres, foi projectado In the House of Angels, documentário realizado em 1998 pela norueguesa Margreth Olin. Transcrevo a resenha que consta no catálogo distribuído pela organização do evento:

"In the House of Angels retrata de forma respeitadora e muito sensível a vida quotidiana num lar para a terceira idade na Noruega. É um local que oferece aparentemente condições excelentes, mas onde as pessoas sabem que esperam apenas a morte. As personagens aproximam-se da câmara e, uma vez sozinhas com a equipa de filmagem, usam-na como uma amiga a quem podem confessar-se, exprimir o seu desespero ou simplesmente as suas opiniões. Também é um filme provocador que confronta o público com a sua atitude em relação não apenas à velhice, mas também ao seu próprio humanismo. Um hino à terceira idade feito com humor e afecto e que questiona a ideia de estado providência. Será que a aparente incapacidade de tornar mais humana a vida quotidiana destas pessoas significa que o estado providência falhou? "


Uma obra invulgar em que, a ausência de narração, nos deixa sozinhos com aqueles velhos e com os funcionários que deles cuidam. Uma incursão na simplicidade do quotidiano de um lar, cheio de solidão e memória. Idosos que "lutam" todos os dias para afirmarem a sua individualidade, intimidade, autonomia e dignidade e não perderem a pessoa que sempre foram, num meio impessoal que lhes é estranho. Porquê quartos separados para casais que partilharam 70 anos das suas vidas?

Nas palavras da realizadora: I made this film to give old age a face. Esta "face" de que muitos se escondem, que muitas famílias encerram em quartos bem longe de casa, é, no entanto, a face da esmagadora maioria dos doentes de que cuidaremos. Uma especial menção para a banda sonora da autoria de Mike Scott dos The Waterboys, particularmente para a música She is so Beautiful, que acompanha a lindíssima filmagem do banho de imersão de uma das personagens.

Este documentário, integrado na secção "Vento Norte", - cujo objectivo é dar um panorama da recente expansão do documentário escandinavo - tem a duração de 97 minutos e nova projecção marcada para o dia 25 de Outubro, pelas 16.30, no Grande Auditório da Culturgest (edifício da Caixa Geral de Depósitos, Campo Pequeno, Lisboa).

Outras sugestões-doclisboa:
Jean Paul
(Francesco Uboldi, Itália, 2006, 8') - 24Out. 18h, Cinema Londres
La Pudeur et l'Impudeur (Hervé Guibert, França, 1991, 58') 22Out. 22.45h, Culturgest

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Haptonomia e afectividade no acolhimento

Em O Médico do Futuro, para uma nova lógica médica (colecção Medicina e Saúde, edição do Instituto Piaget), Jean-Paul Gaillard faz uma reflexão sobre a prática clínica médica, nas suas diferentes etapas, da consulta à relação terapêutica, apresentando-nos os fundamentos básicos para uma saudável relação médico-doente. O autor dá especial atenção aos aspectos da comunicação, verbal e não-verbal.

No capítulo dedicado à consulta médica, mais precisamente ao “Estabelecimento do contacto” (pgs. 184-186), podemos ler:

A saudação tem por efeito autorizar o seu doente a ser ele próprio à sua frente: é para si o meio pelo qual lhe transmite o sinal que exprime que você está disposto ou não a aceitar ser atravessado pelas duas linhas transferenciais, sem com isso mergulhar nas armadilhas relacionais que ele não deixará de lhe montar nessa relação que ambos inauguram em conjunto… Sinal que também significa para ele que você está disposto (ou não) a acolhê-lo na sua totalidade e não apenas ao seu sintoma.”

Este parágrafo é antecedido, no livro, de uma curta menção à Haptonomia, a disciplina do toque e da afectividade. Esta “ciência humana”, desenvolvida há mais de cinquenta anos por Franz Veldman, médico holandês, é praticada legalmente em países como a Holanda, com reconhecida utilidade. Definida como a "ciência" das interacções e das relações afectivas humanas, a haptonomia, serve-se do contacto psico-táctil para ajudar diferentes áreas médicas: do acompanhamento pré e pós natal de pais e filho ao alívio do sofrimento do doente moribundo e sua família, passando pela haptopsicoterapia aplicada à patologia psicológica.

Apesar de não ser oficialmente reconhecida como área médica, note-se que, logo no primeiro ano de faculdade, é oferecida aos estudantes de medicina de algumas faculdades holandesas a oportunidade de contactar com esta disciplina.

E que ensinamentos para um estudante de medicina? Segundo Jean-Paul Gaillard, “trata-se apenas de presença no olhar e de sinceridade no gesto; presença de um calor que sabe medir a distância adequada (nem excessivamente próximo, nem excessivamente distante), sinceridade que sabe transmitir a flexibilidade das suas capacidades de prestar cuidados”.

E não pensemos que falamos de, simplesmente, encher as enfermarias de doentes sorridentes! Não! Ser capaz de, tal como diz Gaillard, pôr o doente a falar de si próprio, significa abrir as portas para uma anamnese mais eficaz e verdadeira, significa traçar o caminho para uma maior adesão terapêutica, significa melhor controlo de sintomas.

Concluindo, falamos do acolhimento do doente na sua totalidade – a pessoa do doente! - como forma de iniciar uma relação médico-doente que se exige segura e disponível e que permita a ambos os intervenientes fazerem total uso de todas as suas faculdades intelectuais.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Diga SIM aos Cuidados Paliativos

Ajuda a Associação Portuguesa dos Cuidados Paliativos! Colabora com a iniciativa Diga SIM aos Cuidados Paliativos, integrada na Semana Nacional dos Cuidados Paliativos, que decorre entre 6 e 13 de Outubro de 2007, simplesmente enviando um SMS para o 4222 com o texto CUIDADOS PALIATIVOS SIM (custo da mensagem 0,60€, IVA incluído). Clica nas imagens em baixo para conferir a informação presente nos panfletos distribuídos.

A Cidadela, por A.J. Cronin

A Cidadela, livro publicado pela primeira vez em 1937, da autoria do britânico A.J. Cronin, é uma obra-chave da literatura médica. Este romance, com algumas referências autobiográficas, narra a história de Andrew Mason, um jovem médico que, apenas terminado o curso, inicia o seu percurso profissional na industrializada Grã-Bretanha dos anos 30. O enredo é simples: Andrew parte para o País de Gales, onde inicia a sua prática como ajudante do velho médico de uma pequena aldeia mineira, Blaenelly. Confrontado com as terríveis condições de trabalho dos mineiros e com a saúde da comunidade, na qual os casos de febre tifóide se multiplicam, o Dr. Mason dedica-se de forma intensa aos seus doentes, pondo em prática todo o idealismo de um jovem médico. Casa-se com Christine, uma professora que o ajuda nos seus trabalhos de investigação acerca da silicose, patologia respiratória muito frequente em quem trabalhava nas minas.
Mais tarde, o casal parte para Londres. Na grande cidade, Andrew entra em contacto com a classe médica conceituada e poderosa que, vivendo da actividade privada, se dedica exclusivamente ao tratamento dos mais ricos. Enriquecer é fácil. Injecções de água são pagas a peso de ouro por "doentes" que de nada padecem, mas julgam e querem padecer. O protagonista, ao contrário do esperado, acaba por envolver-se nestes esquemas de dinheiro fácil, abandonando os princípios que até aí o haviam caracterizado. O seu idealismo transforma-se em cinismo e a exploração dos mais ricos substitui a dedicação aos mais necessitados. Até que um dia, enquanto assiste um cirurgião de renome, algo corre mal...

Muito criticada pela classe médica da época, A Cidadela, publicada em Portugal pela Europa-América, ecoa o drama das escolhas éticas na prática da medicina. Uma narrativa que mantém toda a actualidade, ou não fosse o confronto entre integridade profissional e tentações materialistas ainda uma preocupação dos nossos dias.

King Vidor adaptou a obra ao cinema, num filme de 1938, que já passou na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa.

PS: Referência também a Olhai os lírios dos campos, obra na qual Érico Veríssimo aborda o mesmo tema.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O ABCD da dignidade em medicina

Dignity and the essence of medicine: the A, B, C, and D of dignity conserving care é um artigo, publicado em Julho de 2007 no British Medical Journal, da autoria de Harvey Max Chochinov, uma das principais figuras internacionais no campo da investigação em Cuidados Paliativos. Esta área da medicina define-se como:

"Cuidados globais activos dos doentes cuja doença já não responde ao tratamento curativo, durante os últimos meses de vida, sendo essencial o controlo da dor e de outros sintomas físicos, bem como as respostas adequadas aos problemas psicológicos, sociais e espirituais, tanto dos doentes como das suas família, com o objectivo de melhorar a qualidade de vida." OMS - 1990
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Ou seja, os cuidados paliativos afirmam a vida, considerando a morte um acontecimento natural, sem a antecipar ou atrasar. Destinam-se, assim, a ajudar o doente a viver da forma mais activa possível, até ao fim, ao promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis. Esta componente de tratamentos médicos activos é indissociável da integração dos aspectos psicológicos, sociais e espirituais do doente e família, de forma a optimizar a sua qualidade de vida e a aceitação da própria da morte como fenómeno natural e integral.

Ora, é fácil compreender que, particularmente no fim de vida, o sentimento de dignidade ("how patients perceive themselves to be seen") assume uma importância primordial. Mas, Harvey Chochinov, no artigo apresentado, refere que esta noção de cuidados conservadores da dignidade, apesar de emergir primariamente dos cuidados paliativos, se aplica a todas as áreas de especialização médicas. "Whether patients are young or old, and whatever their health problems, the core values of kindness, respect, and dignity are indispensable."

O autor apresenta o A, B, C, D (atitude, comportamento, compaixão e diálogo) dos cuidados conservadores da dignidade de forma fácil e acessível, quase como um manual de instruções a aplicar no quotidiano da enfermaria pelos profissionais de saúde, para ajudar manter a dignidade do doente.

A ler com atenção.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Colabora!

A medicina está crítica!

"O desencantamento com os cuidados de saúde no final do séc. XX também afectou profundamente o curso da história da medicina. Críticos da medicina moderna e tecnocrata atacaram as prerrogativas de uma elite médica profissional, ao mesmo tempo que condenavam o carácter desumano do tratamento médico moderno."

Desencantamento, tecnocracia, elitismo e desumanização. Mais que quatro ideias-chave expressas por Mary Lindemann em Medicina e sociedade no início da Europa Moderna, aquelas são quatro realidades das enfermarias dos nossos hospitais. E vem aí a nossa vez, não de adoecer (também chegará!), mas de curar. A nós compete recolocar o doente no centro da profissão médica, um lugar agora ocupado pela doença, e assim humanizar os cuidados de saúde.

Este blog é criado com o objectivo de facilitar a partilha de informação, ideias, experiências, opiniões, leituras (artigos, crónicas, livros...) e tudo aquilo que sintam que nos possa ajudar a, efectivamente, construir uma geração médica mais próxima do doente. Colabora!

Eu começo hoje, com a publicação de uma crónica do Eduardo Prado Coelho, antigo professor universitário, recentemente falecido: Memórias de Santa Maria (2).

"Meu caro Correia de Campos, amigo e camarada:
Continuemos a nossa conversa. O tal corredor à esquerda de que já falei conduzia ao Serviço de Observações, que não me deixou boas recordações. Há uma espécie de princípio: "Ó vós que aqui chegais abandonai tudo o que pertencia ao mundo." Um despojamento total. Tire a roupa: anotam peça a peça e amarrotam-na cuidadosamente em sacos que não têm pegas, para dar ao acompanhante que espera lá fora. Depois disseram: "Tire os óculos." Respondi: "Não tiro." A seguir o relógio. E segundo o regulamento, deveria entregar o telemóvel. Recusei. Por fim, o livro que levava comigo. Segundo o regulamento, não se pode ter livros! É assim que pretendem fomentar a leitura? Recusei entregar os Doidos e Amantes da Agustina Bessa-Luís, dizendo que da Agustina ninguém jamais me separaria. Deram-me então um papel com a lista das minhas infracções, para eu assinar. O que fiz orgulhosamente. Mas, como dizia o outro, orgulhosamente só. Quase todos os que ali chegavam vinham num tal estado de desamparo existencial que aceitavam todas as ordens, sobretudo se enroladas naquele tom melífluo que pretende infantilizar o outro: "Agora a roupinha, senhor Silva." Conheço mesmo um caso em que a uma senhora já de idade pretendiam tirar os dentes que lhes pareciam postiços. E não eram.
Não sei quem elaborou regulamento tão estúpido e quais as fundamentações para ele (medo dos roubos?). Imagine apenas, meu caro amigo, aquelas pessoas que sem óculos não vêem um palmo adiante do nariz e entram numa bruma espessa. Imagine ainda que elas também entram num espaço sem tempo, em que já quase não sabem se é noite se é dia, no mundo dos vivos. O desespero é total. Antes deixar que nos roubem o relógio do que ficar nesse limbo da existência em que os séculos se confundem.
Segundo ponto. É suposto que as pessoas que ali entram sejam levadas a diversas modalidades de exames nos mais diversos andares. São então conduzidas por corredores extremamente frios e sentem que pelo baixo custo de uma taxa moderadora lhes deram por extra uma excursão à Lapónia. As bandeiras das janelas estão abertas certamente no cumprimento daquele princípio que qualquer dona de casa aplica no seu lar: é preciso arejar a casa. Mas aquelas viagens no gelo, à espera de elevadores que avariam dia sim, dia não, têm algo de uma verdadeira aventura.
Há outro aspecto interessante: é o serviço que envia que fica encarregado de ir buscar a pessoa na sua maca. Por motivos de engarrafamento, por vezes é preciso esperar cerca de uma hora que apareçam. Os menos resistentes acabarão por morrer. Outros apanharão broncopneumonias. Apenas alguns, num vigoroso princípio de selecção natural, conseguem sobreviver. E então logram aplicar o princípio nietzschiano: o que não me mata dá-me forças.
Talvez haja vantagens que eu ignore nesta alternância violenta entre o calor das salas e o frio intenso dos corredores. Se assim for, Santa Maria cumpre na perfeição a sua tarefa. Não é a taxa moderadora, mas o frio moderador. Neste país insuportavelmente frio, onde os estrangeiros pensam que "frio" é uma palavra desconhecida."

in Jornal Público, 29 de Dezembro de 2005